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domingo, 11 de fevereiro de 2024

De software a agente infiltrado, PF aponta como governo Bolsonaro buscou vigiar adversários


Investigações revelam que antiga gestão operou estrutura paralela de inteligência com objetivo de manter o ex-presidente no poder.

As operações recentes envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados mais próximos trouxeram à tona indícios de que o antigo governo lançou mão de uma estrutura paralela de inteligência com monitoramento de viagens de autoridades, infiltração de agentes e uso de programa espião. Todo esse aparato, segundo apontam investigações da Polícia Federal, foi operado para espionar adversários políticos e minar o processo eleitoral em 2022, com o objetivo de manter o ex-mandatário no poder.

Esse núcleo de inteligência paralela, conforme revelam os inquéritos, tinha duas frentes de atuação. A primeira envolvia uma atividade mais informal desempenhada por auxiliares próximos do ex-presidente, responsáveis por levantar informações clandestinas para ajudar na “consumação do golpe de Estado”. A segunda era encabeçada pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que coletavam dados do interesse pessoal de Bolsonaro sobre adversários.

A existência de uma “Abin paralela” foi apontada, em março de 2020, pelo ex-secretário geral da Presidência Gustavo Bebianno, que rompeu com Bolsonaro logo no início do governo. Em entrevista ao “Roda Viva”, ele afirmou que o vereador Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente, não confiava na agência de Inteligência. A desconfiança foi abordada pelo próprio Bolsonaro em uma reunião ministerial em abril daquele ano.

- Sistemas de informações, o meu funciona. O meu particular funciona. Os que tem oficialmente, desinforma — disse ele, na ocasião.

A defesa do ex-presidente disse que ele não “atuou ou conspirou contra a Constituição e o estado democrático de direito”. A Abin e o GSI não se manifestaram, mas, anteriormente, já informaram que colaboram com as apurações.

Um dos alvos centrais do núcleo de inteligência paralela era o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e integrante do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado era responsável por conduzir o processo de votação em 2022 e pelos principais inquéritos envolvendo o ex-presidente e seu entorno.

De olho nisso, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e o coronel Marcelo Câmara, que também assessorava o então presidente, trocavam informações sobre os passos de Moraes. Em dezembro de 2022, os dois militares conversaram em mensagens sobre os voos dele entre Brasília e São Paulo — as viagens citadas coincidiram com o itinerário feito pelo ministro naquela ocasião. Os homens de confiança de Bolsonaro estavam dispostos, de acordo com o inquérito, a prender Moraes em 18 de dezembro de 2022, num plano eu envolvia a tomada do poder.

"As circunstâncias identificadas evidenciam ações de vigilância e monitoramento em níveis avançados, o que pode significar a utilização de equipamentos tecnológicos fora do alcance legal das autoridades de controle”, diz a PF.

Auxiliar mais próximo a Bolsonaro, Cid concentrava as informações que chegavam ao presidente no mesmo período em que participava diretamente das discussões sobre o plano de ruptura institucional — uma minuta com teor golpista foi encontrada no celular dele. Câmara era responsável por checar relatos que chegavam a Bolsonaro via WhatsApp, principal fonte de informações usada por ele.

A defesa de Cid disse que não vai se manifestar até ter acesso às investigações, enquanto os advogados de Câmara negaram envolvimento dele com atividades de monitoramento e afirmaram que “inteligência paralela é uma expressão fruto de ilação”.

Outro integrante do núcleo de inteligência paralela, segundo a PF, é o ex-ministro do GSI Augusto Heleno. O papel oficial do órgão é zelar pela segurança do presidente. Na prática, de acordo com a investigação, cumpria uma missão que ia além da sua tarefa habitual durante o governo Bolsonaro. Em uma reunião ocorrida no Palácio do Planalto em julho de 2022, gravada em vídeo, Heleno afirmou que o momento de “virar a mesa” seria antes do pleito:

— Não vai ter revisão do VAR. O que tiver que ser feito, tem que ser antes das eleições.

Ao longo da sua fala, o general da reserva ainda citou a possibilidade de infiltrar agentes da Abin em campanhas eleitorais — e, antes que pudesse concluir o raciocínio, foi interrompido por Bolsonaro por receio de vazamentos.

No mesmo período, o GSI chegou a pedir informalmente à Abin que levantasse informações sobre Hugo “Pollo” Carvajal, ex-chefe da inteligência da Venezuela no governo de Hugo Chávez. O militar é acusado pelos Estados Unidos de ter se associado com grupos criminosos para exportar drogas. Boatos de WhatsApp, que chegaram a Bolsonaro, davam conta de que Carvajal financiava a esquerda latinoamericana, incluindo o PT, o que nunca foi comprovado. O objetivo dessa investida era desgastar a imagem de Lula na campanha.

A Abin também foi utilizada para levantar informações sobre outros adversários de Bolsonaro. Em março de 2023, O GLOBO revelou que a agência usava o FirstMile, um programa secreto israelense, para monitorar, sem autorização judicial, a localização de celulares. Após o escândalo vir à tona, a PF instaurou um inquérito e descobriu que a espionagem alcançou parlamentares de oposição, advogados, jornalistas e servidores públicos.

Dossiês e escuta

A arapongagem na Abin também envolveu dossiês sobre Moraes e o ministro do STF Gilmar Mendes, segundo a PF. Além disso, há indícios de que a agência vigiou o atual titular da Educação, Camilo Santana, quando era governador do Ceará, e o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Entre julho de 2019 e março de 2022, a agência foi chefiada pelo delegado Alexandre Ramagem, eleito em 2022 deputado federal pelo Rio com o apoio do vereador Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente. Ao assumir o comando da Abin, Ramagem montou um gabinete paralelo formado por policiais federais que faziam apurações do interesse de Bolsonaro. A PF investiga se um dos destinatários das informações clandestinas seria Carlos, que foi alvo de uma operação e nega qualquer irregularidade. Ramagem afirma que nunca forneceu dados confidenciais a Bolsonaro e familiares enquanto esteve na Abin.

Outro episódio investigado pela PF envolve um suposto plano de bisbilhotar os e-mails de Moraes. Em depoimentos, o hacker Walter Delgatti contou ter sido contratado pela deputada federal Carla Zambelli (PL) para invadir as contas do ministro do STF, em setembro de 2022, um mês antes da eleição. Delgatti afirmou ter conversado com Bolsonaro, por telefone e presencialmente. Tanto o ex-presidente como Zambelli negam participação na trama.

A tentativa de tumultuar o processo eleitoral também teria sido tratada em uma reunião entre Bolsonaro, o senador Marcos Do Val e o ex-deputado Daniel Silveira, no Palácio da Alvorada, em dezembro de 2022. Na versão do parlamentar, os interlocutores pediram que ele gravasse uma conversa presencial com Moraes para tentar descobrir algo que incriminasse o magistrado e provocasse uma crise política. Em uma mensagem, Silveira relata a Do Val que tinha “escutas usadas pelas operações especiais” e um “veículo receptor que pode imediatamente reproduzir além da gravação”. Silveira e Bolsonaro negam.

O Globo 

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