A praia nordestina de Porto de Galinhas nos dá a oportunidade de reposicionar o debate sobre um tema tratado com dificuldade no Brasil: a Soberania Nacional. O balneário foi palco de uma dessas crises de segurança urbana em que, na ausência do Estado, grupos organizados assumem o ‘mando de campo’, como ocorre em outras cidades brasileiras.
Fez lembrar a antiga série de TV ‘Guerra, Sombra e Água Fresca’ (1965), uma sátira do dia a dia em um campo de prisioneiros alemão, no qual diversão e guerra se misturavam, com certa naturalidade.
Falar aqui de segurança pública seria chover no molhado. Relembro apenas ligeiramente que esse assunto precisa ser tratado com responsabilidade e competência, sob a coordenação nacional do SUSP Sistema Único de Segurança Pública (que, diga-se de passagem, não funciona há três anos).
Contudo, o episódio de Porto, colocada sob toque de recolher decretado por bandos que atuam na região, nos permite revisitar o tema da Soberania, com um olhar voltado para seus aspectos internos.
A partir de 1964, a palavra soberania adquiriu no País um sentido enviesado. A paranoia geopolítica geral que caracterizou a Guerra Fria, somada ao protagonismo militar na política durante a três décadas seguintes, levaram a um empobrecimento da compreensão de Soberania por parte da sociedade, atribuindo-lhe um estigma de ‘princípio típico de direita’.
No entanto, é urgente recuperarmos o significado de Soberania Nacional, levando em consideração os diferentes elementos que a constituem, e colocarmos o tema na mesa do diálogo de reafirmação do caminho democrático e das relações exteriores.
Soberania é um dos pilares que deram origem e sustentação ao Estado Nacional, especialmente na forma que este assume a partir do século XV. Na época, com a consolidação das grandes monarquias absolutistas, falar em Estado Soberano era o mesmo que falar em monarca soberano, afinal, o rei era a personificação do Estado (e vice-versa).
Foi com as democracias como as conhecemos hoje que o significado de Soberania Nacional evoluiu, passando a incorporar as dimensões de cidadania, autodeterminação dos povos, justiça social e direitos humanos, além de proteção do território, das riquezas e das pessoas.
Vale lembrar que a Constituição Federal de 1988, já no seu Artigo Primeiro, estabelece que a Soberania é um dos fundamentos do Estado brasileiro ‘democrático e de direito’.
Nas palavras do General Sergio Etchegoyen, reconhecido conhecedor do assunto, “Soberania não se resume à presença de militares na fronteira, pois se refere à capacidade do Estado de cumprir seu papel nos diferentes campos do desenvolvimento social, político e econômico”.
Sendo assim, o que ocorreu em Porto de Galinhas nos últimos dias foi nada menos do que um apagão de Soberania Nacional. O Estado democrático não estava presente para cumprir sua função primordial.
Ou seja, em qualquer lugar, na falta de Governo (seja federal, estadual e ou municipal), outros entes paraestatais ocupam seu lugar. Onde falta planejamento urbano, governança popular, infraestrutura e serviços públicos, não tem jeito, a Soberania muda de mãos.
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