A informação ao seu alcance!

domingo, 24 de setembro de 2023

Estresse térmico aumenta: 38 milhões de brasileiros passam quase um mês por ano sob calor superior ao que o corpo aguenta


A onda de calor que assola quase todo o Brasil faz parte de uma escalada sem fim à vista. Ano após ano, aumenta o tempo que os brasileiros são expostos ao chamado estresse térmico, condição de risco de saúde. Mais que 38 milhões de pessoas, habitantes de Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e outras dez cidades com população acima de um milhão, passam até 25 dias por ano sob condições meteorológicas superiores às que o corpo humano pode suportar sem que fique exposto a problemas que podem ir além do mal-estar e incluem ataques cardíacos, agravamento de câncer, diabetes e depressão.

Os dados fazem parte do primeiro estudo de avaliação de bioclimatologia de toda a América do Sul nas últimas quatro décadas. Ele revela que, a cada ano, em média, os períodos de estresse térmico ganham dez horas extras nas cidades analisadas no Brasil. A escalada de aumento do estresse térmico começou há 20 anos, acompanhando as mudanças climáticas.

O trabalho foi coordenado por Renata Libonati, do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ), e teve a participação de cientistas de instituições de Argentina, Espanha, Portugal e Venezuela. Apoiado pela Faperj e o CNPq, o estudo será publicado na revista científica internacional Theoretical and Applied Climatology. e tem como primeiro autor Vitor Miranda.

O estudo investigou dados de 31 cidades da América do Sul, 13 delas no Brasil. O critério de escolha foi ter mais de um milhão de habitantes pela representatividade populacional. As cidades brasileiras são Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife, Fortaleza, Manaus, Belém, Goiânia, Porto Alegre, Curitiba e Campinas.

Porém, observa Djacinto dos Santos, um dos autores do estudo, o número de brasileiros expostos ao estresse térmico certamente é muito maior do que a amostra analisada.  

A tendência de aumento é geral e as pessoas sofrem de 17 a 25 dias por ano de estresse térmico, é muita coisa — afirma Santos.

- Como o critério foi o tamanho da população, ficaram de fora, por exemplo, Nova Maringá (MT, com 5.846 habitantes) e Bom Jesus (PI, com 28.799). As duas registraram as temperaturas mais elevadas do Brasil. Nova Maringá ferveu com 44,8C, em 2020. E Bom Jesus derreteu a 44,7C, em 2005. Recordes que podem ser batidos hoje ou nos próximos dias.  

O número anual de horas sob estresse térmico aumentou significativamente em todas as zonas climáticas do continente durante o período de 1979 a 2020. No Brasil, todas as cidades estudadas apresentaram tal tendência — frisa Libonati. 

Em grandes capitais, com menos de 1 milhão de habitantes, como Teresina, no Piauí, a situação já é crítica. Junilly Cavalcante, de 22 anos, diz que os moradores evitam sair sob o sol escaldante e costumam trocar o dia pela noite para muitas tarefas obrigatórias. Isso, em geral, acontece nos meses conhecidos como “bro”, em referência a terminação das palavras setembro, outubro, novembro e dezembro, quando o caldeirão ferve:  

Quando esse período começa, evito sair de casa e só vou a lugar com ar-condicionado. Tô fora de andar na rua, ir a parque — diz a jovem, que convive com as consequências como tonturas,enxaquecas e até desmaios. 

Na pesquisa, o maior aumento, de 13 horas anuais, foi de Fortaleza e Goiânia. Mas Brasília, Campinas, Manaus e Belo Horizonte não ficaram muito atrás, com 10 horas. Em São Paulo e Rio de Janeiro a tendência foi de 6 horas em estresse térmico a mais a cada ano. Em Belém e Curitiba esse valor foi de 4 horas/ano e 2 horas/ano, respectivamente.

A avaliação de estresse térmico não se refere apenas à temperatura. Os pesquisadores usam um índice que mede o conforto fisiológico do corpo sob determinadas condições meteorológicas. Isto é, não apenas o que diz o termômetro, mas o que as pessoas sentem.

O Índice Climático Térmico Universal (UTCI, na sigla em inglês) considera também a umidade do ar, o fluxo de radiação solar recebida e a velocidade do vento. Em conjunto, elas afetam a forma como o nosso corpo reage às condições do ambiente externo.

O calor extremo é sempre ruim, não importa se úmido ou seco. Mas os efeitos da umidade o fazem se manifestar de formas diferentes. A umidade elevada impede que o suor _ nossa principal forma de defesa do calor — evapore e o mantém na pele. Por isso, a sensação é pior.

No entanto, salienta Santos, a baixa umidade do ar, além de trazer desconforto respiratório, faz com que a onda de calor dure mais ao reduzir a chuva, que aliviaria a temperatura. A seca alimenta o calor e o calor aumenta a seca. É um sistema que se autoperpetua. E é uma onda dessas que está nesse momento ativa no Brasil.


Nenhum comentário:

Postar um comentário